SOLENIDADE

Com toda a sua simplicidade, minha mãe tinha a arte de citar personagens (reais e fictícios) numa dramaticidade shakesperiana de aproveitável conteúdo a qualquer dramaturgia contemporânea, e, num repente, transformar o mesmo roteiro num suspense que, despretensiosamente, descrevia Agatha Christie e, munida de toda a sua habilidade crônica que a natureza lhe deu, desviar o mesmo enredo para uma rica comédia de detalhes dimensionais com finale e grand finale.
Entre os apreciadores, fui o seguidor do best-seller sem entrelinhas que minha mãe perfilou. Cheguei a compará-la com a digníssima alma de uma Denise Stoklos — na narrativa arte cênica do monólogo Olhos Recém-Nascidos. Minha mãe tinha uma técnica ilustrativa de historiadora sem nunca ter tido o mestrado mínimo para qualquer registro. Quem me dera tivesse a metade do talento que mamma Rosa teve. Deixo aqui minha modesta crítica literária — do crítico literário que não me dá o direito de tal autodesignação honorífica — ao tributo à minha mãe.

A FLOR DOS LARANJAIS


... eu pensava que Budapeste fosse cinzenta, mas Budapeste era amarela.
Trecho da obra “Budapeste” de Chico Buarque. Ano de publicação: 2003. Esse livro foi-me doado por um hóspede que contentou-se ao me ver lendo Ernest Hemingway dizendo ser, também, um de seus autores preferidos, além de Chico Buarque.
Se alguns anos anteriores, alguém sobrevoasse a então Capital Brasileira da Laranja na entressafra, esse alguém diria: “A cidade é verde”, de acordo com o largo cinturão de lavouras cítricas que por aqui era cultivado. Já na fase temporã aos frutos, diria: “A cidade é branca”, pelo alvo das flores das laranjeiras. E no período sazonal, este mesmo alguém teria outra impressão: “A cidade é dourada”, levando em conta a vasta cor alaranjada destes mesmos pomares.
Bem antes de 2003, o Chico não precisaria divagar (na verdade, ele ainda não teria visitado Budapeste), assim, tão distante, lá pelos céus da Hungria, pra ter a conclusão sobre o aspecto multicolorido de uma cidade. Bastava sobrevoar por aqui e certificar que a cidade é dourada o ano todo, devido ao brilho das joias folheadas que se espalham por todo o município.
Isso, sem dizer que o verde sempre foi e será eterno aos nossos olhares, perante a eterna vocação que esta terra tem para a agricultura e o meio ambiente.
E você, caro leitor brasileiro, antes de embarcar para Budapeste, sobrevoe Limeira, a Capital dos Folheados. Solte o cinto, relaxe na sua poltrona e leia o Chico. Vale a pena.

NADA SE CRIA...


Tudo se copia.
Ficou quase perfeito o plágio do anel de noivado da futura princesa Kate Middleton, ofertado a ela com o coração do príncipe William. Vendeu que nem arroz com feijão nas barraquinhas da Saara carioca. Começou cara a brincadeira: cinco reais no varejo. Hoje, estão vendendo à quilos. As “princesas” de plantão enchem todos os dez dedos das mãos, contentando-se em declarar que, muito menos que os dez anéis, apenas um príncipe bastaria pra cada uma delas.
Essa novidade (o anel da princesa) não ganhou destaque aqui no principal polo brasileiro de joias e suas afinidades. Mas, viajou e andou passeando por estas bandas, no dedo de uma representante deste ramo que ostentava, orgulhosamente, o seu unitário envolvendo o seu dedo, postada na porta de um hotel local, onde se hospedava.
Isso não é um ato de reparar apenas por interesse nas pessoas. É o resultado do meu sétimo sentido que anda aguçado e reparando tais detalhes outrora ignorados.
Ah, a dona do anel estava linda!

JUMEU E ROLIETA


O casal era sócio no ramo de bijuterias. Ambos usavam aliança no anular direito. Ele só a chamava de “Mô” e, ela chamava-o de “Mozinho”. Já era o terceiro dia de estada deles no hotel e, formalmente, não chamávamos qualquer hóspede pelo pseudônimo; apenas pelo nome.
Acho que a mulher estava se arrumando e, pra variar, o marido desceu antes dela. Minutos depois ela apareceu, toda produzida. Olhou para os lados, procurou pelos cantos e não o encontrou.
— Você viu o mozinho? — me perguntou.
— Quem?
— O Jú.
— Jú?!
— O Juliano, meu marido.
— Ah, sim, o seu marido! Não, não vi.
Ela foi à porta, olhou lá fora, voltou e continuou a procu-rá-lo. Nisso, ele que havia descido imperceptível, apareceu estacionando o carro bem na porta do prédio.
— Minha muié já desceu? — quis saber.
— Sim, estava aqui ainda à pouco. Estava te procurando.
Ele foi procurá-la no lobby e ela procurava-o, em desencontros, até que se encontraram. Saíram de mãos dadas e, com um cavalheirismo encantador, o moço abriu a porta do carro pra ela, fechou-a cuidadosamente, rodeou o veículo e assumiu o volante. E lá se foram: a Mô e o Mozinho, exalando aromáticas essências de flores e coraçõezinhos que, apaixonadamente os acompanhavam.
Oh, que bonitinho, gente! Que seja eterno enquanto dure...

TODAS AS LINDAS MULHERES


Dois hóspedes amigos nas banquetas do bar:
— E aí, garanhão, fisgou mais uma sereia na piscina do hotel, hein?
— É. Marcamos de sair pela cidade ontem à noite e ela aceitou.
— E como foi o happy hour do casalzinho? Conta pra mim.
— Sei não, cara... Ela usava brincos.
— E o que tem isso?
— Brincos de acrílicos.
— Não gosta de acrílicos?
— Não. Não é isso. Ela usa strass também.
— Não entendi. Saio com uma que usa piercing no nariz. E três brincos em cada orelha. Mais um piercing no umbigo e um na... Mas, do você falava mesmo?
— Aquela de ontem usava pulseiras.
— Te incomoda?
— Sim.
— Por quê?
— Ela usava anéis também. Sabe o que isso significa?
— Que ele gosta de... coisas de mulher. Não é ótimo?
— Não. Acompanhe o meu raciocínio... E se ela se apaixonar por mim e eu por ela, tivermos um maravilhoso evento de noivado, pensarmos em filhos, constituir família, planejar uma linda casa, com rede na varanda e com vista para o mar, para ser o nosso eterno lar até que a morte nos separe?
— Puxa. Até que enfim. Você está romântico, cara. Apaixonou de vez? Isso não é o máximo?
— Não.
— Não?!
— Daí ela estará usando aliança.
— É a regra... Casou, aliança nela e nele.
— Aí é que está o problema.
— Ela usar aliança??
— Não. EU usar aliança.
— Qual é, cara? Se o casal se une em matrimônio, é porque ela o ama e ele a ama também.
— Sim. Eu estaria apaixonado.... por ela. Sabe por quê?
— Por quê?
— Porque ela é mulher.
— Ufa, ainda bem. Eu já estava imaginando que ela, na verdade, era...
— Por isso é que eu não usaria aliança.
— Por que ela... é?
— Não.
— Aí já não entendi... Se sua esposa for uma mulher, com M maiúsculo, e você não querer usar aliança... Não vá me dizer que então você é que...
— Sim.
— Sim?!
— Sim, cara. O problema é que eu amo todas as lindas mulheres.
— Todas?
— Todas.


NOITE DE NÚPCIAS


ENFIM, SÓS!
Uma essência floral se espalha na atmosfera deste ambiente encantador, aconchegante.
A suíte deste hotel parece ter sido arquitetada e decorada especialmente para nós. Ou será que qualquer suíte, em qualquer hotel do mundo seria exatamente como esta? Provavelmente que sim. Porque você está aqui. Nós estamos aqui. E a sua presença neste momento, e por todos os momentos de nossa vida, haverá de ser o que mais importará eternamente. Te amo!
OS BRINCOS
Beijo a tua boca. Acaricio o teu rosto. Nas orelhas, os longos brincos de cores vivas; turmalinas, esmeraldas, topázios, realçam-me na memória a moldura e delineamento do retrato que venho pintando de ti, aprimorando-o mais e mais a cada dia que passa. Olho os teus olhos. Estão exatamente de acordo com o verdor de tuas joias. Você é linda!
Despi-me apenas de meu fraque, e você de seu vestido.
Beijo mais uma vez teus lábios e... Perdoe-me. São tantos os devaneios que vou me perdendo em meio a tua beleza. Entrego-me aos caprichos desta sedução. Beijo carinhosamente a sua testa, afago teus cabelos e vou além: te imagino uma rainha, com aquela coroa em ouro branco que tu ostentavas. Te imagino uma rainha, agora, e para todo o sempre, durante todo este nosso abençoado e eterno amor, que vem sendo, a tantos e tantos anos, desde que nos conhecemos, ardentemente, alimentado pela absorção de nossas devotas súplicas. Te amo!
O COLAR
Minhas mãos deslizam suavemente por debaixo de seus cabelos e, caprichosamente, meus dedos vão resvalando a sua nuca. Beijo levemente o seu pescoço. Ah, o colar! Recordo-me de quando te dei um, há dois anos, meses depois de oficializarmos o nosso romance. Eu tinha certeza de que você iria gostar. Porém, não imaginava a surpreendente dimensão de seu contentamento. Assim como aquele, esse também que tu aparatas agora dispersa encantos em harmonia no seu busto, ora pelos cristais que fascinam por suas vibrantes energias. Parece magia tanta perfeição. Aliás, em você tudo é perfeito. Tudo é tão perfeito que no átrio de nosso lar vou instaurar uma estátua de minha devoção a ti e... Perdoe-me. Você já tem me dito que não pretende que eu a venere por sua fotogenia. Que não te mitifique em abstratos, mas, sim, com a simetria que representa a pessoa de corpo e alma que você é. Te amo!
O BROCHE
Um rendado sutiã, com bojo na parte inferior, recobre os seus seios. Sou grato pelo mistério que me propusestes, pela minha ignorância do que suponho haver, ou não haver, no entrelaço deste às suas costas. Pensava eu, que todos os sutiãs tinham fechos exclusivamente na parte de trás. O seu tem um fecho brilhante na frente, entre os seios. Levo-me a precipitar nos descaminhos de pedir-lhe que vire de bruços para que, assim, eu possa saciar a minha curiosidade. Mas me detenho. Ainda tenho muito; muito a descobrir no imponderável do teu corpo. Não quero atalhos. Não tenho pressa. Afinal, daqui em diante, somos somente eu e você. Nós dois; igual a um. Te amo!
AS PULSEIRAS E O BRACELETE
Deixo-te quase imóvel. Você suspira e se mexe leve e lentamente apenas na sujeição dos meus gestos que vão te desvendando, calidamente. Sou brando ao deslizar para o lado e beijar as suas mãos. No teu pulso, as pulseiras e um bracelete exprimem a exuberância nas diversidades de suas formas, com elementos de grandes valias e uma extraordinária riqueza criativa que... Perdoe-me. Por uma fração de segundo me vi com uma dessas pulseiras no meu pulso na forma de um elo preso às suas, como que simbolizando algemas pra que você nunca se distancie de mim. Que maldade, a minha! Pois, é certo que o único elo que nunca nos distanciará é este intenso sentimento comandado pelo meu e pelo seu coração. Te amo!
OS ANÉIS
Os anéis que reluzem nos teus dedos e a aliança com o meu nome gravado te ornamentam e me entorpeço com todo o êxtase à lembrança daquela primeira vez que segurei estas suas mãos, há tanto tempo! Anos mais tarde, apaixonadamente, selávamos o compromisso do nosso namoro. Um pouco mais adiante, você receberia o seu anel de formatura. Mais tarde, eu era quem lhe pedia para que aceitasse um, do meu pedido de noivado e... finalmente, do casamento, que nos une a partir de agora para a eternidade. Beijo estas tuas mãos, guardando os detalhes de cada safira, de cada quartzo e... Perdoe-me. Penso em apoderar-me, furtivamente, de um destes seus anéis para, posteriormente, guardá-lo num jardim secreto onde somente eu saberia como encontrá-lo, caso você vier a dar-me motivos para que me sufoque de saudades de ti. Mas me detenho. Que bobagem a minha! Sei o quanto somos fiéis. E essa nossa sagrada fidelidade perpetuará na cumplicidade deste tão nosso amor. Te amo!
O ÍNTIMO ACESSÓRIO
Na tua calcinha, um lampejo me atrai. Uma pequena e elegante pedra lapidada prende ao centro um minúsculo laço que fixa no cós dianteiro sobressaltando entre os mínimos detalhes que compõem essa íntima peça que sugere ser retirada o mais depressa possível e... Perdoe-me. Penso em despi-la no ato, ignorando as descobertas que, a cada dia e a cada noite, você me propõe. Detenho-me por saber que, somente os insensíveis seriam capazes de tamanha estupidez. Te amo!
A TORNOZELEIRA
Desço e sinto o macio de suas coxas, de seus joelhos. Beijo-lhe os pés, minha adorável esposa. O dourado precioso que envolve o seu tornozelo brilha insistentemente na íris dos meus olhos e... Perdoe-me. Não contive o pensamento vulgar de tê-la pra mim envolvida, também, numa outra tornozeleira — uma tornozeleira eletrônica, pra poder seguir os seus passos. Saber por onde tu andarás, tu pisarás. Entretanto, me detenho em saber que somente pessoas criminosas são passíveis de perverso monitoramento. O fato de você ter-me roubado o coração, nenhum tribunal no mundo, com júri popular, haveria de te condenar. E eu, desde já, te absolvo. Te amo!
ENFIM...
Você se levanta e, de uma a uma, retira todas as joias, abranda a maquiagem, e retorna aos meus braços, iluminada, radiante. Você é uma joia mística e maciça. Já andei observando que, toda a sofisticação dos adornos que você nunca dispensa não são capazes de substituir o conjunto de tudo o que te reluz naturalmente por toda a hegemonia do teu corpo. Frente a frente, ajoelhamos sobre a cama, e você, com aquele mesmo brilho pessoal que, por tudo o que há de mais sagrado, este nosso amor eterno saberá tratá-lo com toda a polidez que ambos merecemos.
Te amo, te amo, te amo!

O NOME DELA


No tempo do sucesso: Os Brutos Também Amam apareceu uma estagiária no hotel que fazia um curso extra de cordas. De tanto ouvir falar que de cabelos curtos ela poderia até ser confundida fisicamente com a Adriana Calcanhoto, ela cortou as suas madeixas loiras, empunhou o seu violão, iniciou um curso de aprimoramento de voz e já começou a sonhar em dar um pontapé na hotelaria, que ainda nem bem havia começado, e mandá-la, de vez, pra escanteio.
Algo de infortúnio aconteceu naquele dia em que a Calcanhoto atendeu o PABX e, do outro lado da linha, o cliente pediu:
— Por gentileza, quero falar com Armando Mellani.
A loira, agora de cabelos curtíssimos, perguntou:
— Como é o nome dela?
— O nome dela?? — retrucou o surpreso interlocutor.
— Sim. O nome dela.
— Como assim, o nome dela? Quero falar com Armando Mellani.
— Sim. Mas, se não disser o nome dela, não terei como localizá-la, senhor.
— Por favor, peça para outra pessoa atender esse telefone — impacientou-se o moço.
— Tudo bem. Tudo bem. Não precisa se irritar — finalizou a loira.
Após atender a ligação do seu cliente de brutos baixa-fusão, e dele ouvir o inconveniente na recepção de seu telefonema, o Sr. Armando Mellani dirigiu-se até a Calcanhoto com a finalidade de apresentar-se, no que ela se explicou:
É que eu conhecia o senhor apenas pelo sobrenome e entendi que ele queria falar com “a irmã do Mellani”...


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Sou solidário à Calcanhoto. Haja vista que isso acontece nas melhores famílias.
Dois comerciantes de joias em aço inox tinham um encontro agendado no hotel. O visitante chegou solicitando-me:
— Vim falar com Jacy. Por gentileza, diga-lhe que estou aqui.
Liguei. O interfone mal foi atendido no apartamento e já avisei:
— O Sr. Celso está aguardando a senhora aqui na recepção.
O Sr. Celso levou a mão à testa e lamentou:
— Jacy não é mulher, cara. É homem. Ele vai ficar bravo com você.
Não temi. Não era a primeira vez. Confusão semelhante já me vinha ocorrendo bem anteriormente. A mais antiga que me lembro é a de quando surgiu o Erasmo Carlos cantando em Filho Único: “Ei mãe, não sou mais menino”. Eu jurava pra mim mesmo que o Tremendão tinha virado menina e desabafava, musicalmente, com a mãe dele. Terminando essa mesma música com “E quem tá na chuva tem que se molhar. No início vai ser difícil. Mas depois você vai se acostumar.”, não me deixava qualquer dúvida. Cheguei a imaginar ele e o Roberto tendo um caso, levando em conta que o rei gravara uma canção pra lá de romântica pro Caetano Veloso, onde ele fazia rasgados elogios aos caracóis dos cabelos do baiano que acha “tudo lindo!!” Erasmo, Roberto e Caetano... Pra que essa salada musical toda não terminasse numa descabida suruba na minha quase pura inocência, eu preferia me conformar, pensando: “Artistas são todos assim mesmo!”


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Uma vida inteira é quase o suficiente pra que a gente conheça, e até conviva — na comunidade, no trabalho — com pessoas que optam por pseudônimos. Tornam-se tão naturais certas denominações, que o tempo passa, como as águas de um rio, e jamais vamos saber o nome daquela ou outra pessoa. Veja os pseudônimos de artista e escritores, por exemplo.
No meu círculo de anônimos, conheci vários “Turcos”. Com exceção de um destes, sei o nome verdadeiro dos outros. Estranhamente, o mais próximo de mim, será eternamente “o Turco”. Sei lá. Não tenho coragem de perguntar o nome dele. E se ele chamar-se “Ermengardo” ou “Pirepópole”? Tenho medo.
Tive (tenho) um amigo que é o Badê. É Badê daqui, Badê dali, e não sai disso: Badê.
Num hotel tinha um encarregado de manutenção que era quase xará do Badê. Este era “Baté”. Quando fui admitido, o Baté já era veterano no hotel. Numa noite de Santos X Peñarol, um hóspede nos reclamou que a imagem da TV do seu quarto estava péssima, e ele queria uma qualidade melhor da imagem pra assistir o jogo. Fui até ele pra ver o que eu poderia fazer para ajudá-lo — se fosse o caso, até providenciaria a troca daquele
aparelho por outro. Tudo por uma questão de melhor imagem para satisfazer o santista. Ele estava meio impaciente e replicou:
— Durante o dia eu já havia comunicado sobre este problema e veio um tal Baté aqui e não resolveu nada.
Naquele momento, pensei que me tinha caído a ficha: “O Baté é chamado assim porque ele é de Taubaté...”, pensei.
Que nada. Descobri depois, que o tal Baté era mesmo de Santa Rita do Passa Quatro.

EMERGENTES

O cara abandonou o emprego no setor joalheiro, deu tchau pra mamãe e foi se aventurar por outras paragens. Foi parar na região metropolitana de São Paulo, na casa do pai. Bateu num recrutamento e seleção de um hotel e ganhou uma oportunidade de mensageiro. Ficava plantado, quase que imóvel, uniformizado, na porta, feito um guarda do Palácio de Buckingham. Somente se movia quando era solicitado por algo. O tempo passava; anos. E ele jamais teve curiosidade em saber como funcionavam as coisas por trás do balcão bem ao seu lado. Reclamava de dores nas pernas e na coluna de tanto ficar de pé, horas a fio. Até que levou a primeira tijolada: caiu de cama.
Preocupado com a saúde do filho, o pai, que era amigo de alguém que conhecia fulano que conhecia um cara que conhecia um deputado, conseguiu uma vaga numa repartição para o filho, num daqueles manjados concursos públicos arranjados.
O tempo passava; anos. E o rapaz só carimbando papéis, sentadinho, no bem-bom, sem nunca se importar com o que estava escrito naquele carimbo, que era sempre o mesmo. Não tinha como errar. Mas ele errou. Carimbou um papel errado. A cidadã, dona do papel, foi pra justiça pra não perder o seu imóvel. Foi pra imprensa. Repercutiu. Chegou às mãos do juiz que deu ganho de causa para a cidadã e condenou o Município. A Câmara encaminhou, votou e aprovou uma CPI que encontrou várias irregularidades em mais papéis carimbados indevidamente. O carimbador se ferrou. Foi exonerado do cargo.
Duas tijoladas já eram o bastante pra lhe acordar.
Voltou para o interior, e teve uma daquelas ideias bem joia. Começou a comercializar brincos de tubos folheados. Assumiu a distância dos carimbos e tinha pavor de encostar-se em qualquer porta que fosse. Começou a observar tudo ao seu redor.
O tempo passou; anos. E finalmente, ele é quem emprega algumas pessoas. Atualmente, como empresário, contribui com mais encargos para a caixinha municipal e já anda desfilando pela classe dos declaradores do imposto de renda. Dizem por aí que ele até já anda criando um projeto social antiburocrático que acabe com o uso de carimbos.

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A atividade de joias folheadas, a exemplo de muitas outras atividades, não é um caminho repleto de flores. Principalmente, para quem anda começando. Entretanto, prefiro puxar a sardinha mais para os casos de sucessos. Falar exclusivamente de fracassos atrai maus fluidos e, falar de casos bem-sucedidos da joalharia por aqui é bem mais fácil. Estes, tradicionalmente, são a grande maioria.
É o caso do filho da Dona Vanda... O sujeito me acompanhava já no terceiro ano de hotelaria e vivia numa pindura de dar dó. Separado, pai de dois filhos, já não sabendo mais pra onde correr — ou se esconder. Vivia matando cachorro à grito. Ou como prefere o Martinho da Vila: “...latindo no fundo do quintal pra economizar cachorro”.
Com as dívidas rolando feito uma bola de neve e, com ameaças de processos que o levariam pra trás das grades, ele fez um acordo trabalhista no hotel, investiu as quinquilharias no mercado joalheiro e, foi meio que empurrando com a barriga. Valendo-se de algumas experiências anteriores nas linhas de produção de médios e grandes fabricantes, não perdia as estribeiras quando o seu quadro gráfico despencava atingindo o vermelho. Valendo-se de muitas experiências como colecionador de dívidas, o filho da Dona Vanda batia no fundo do quadro e subia novamente como uma bolinha de ping-pong.
Desde a última vez que o vi, ele andava estabilizado, deslizando suavemente no alto de seu gráfico empreendedor. Não atrasava mais pensão. Não era mais ameaçado pela ex. E estou sabendo que continua não pagando mais as demais contas. Claro!, emergente como se tornou, deixa tudinho nas mãos de seu filho mais velho, portador de canudo em Administração do Programa da Auditoria da Qualidade. Não entendi muito bem o que realmente ele faz, mas foi o pai do neto da Dona Vanda que me disse assim; com todas essas letras aí. Deve ser coisa boa. Porque o neto da Dona Vanda é pra lá de organizado. Com ele no gerenciamento, tá tudinho lá ó; no débito automático.
Minhas saudações para o filho e o neto da Dona Vanda.
Minhas lembranças para ela.

HOTELARIA EM RAIO X


O MENSAGEIRO: “Oba! O cara da Frontier chegou. Isso é sinônimo de uma boa gorjeta. A bagagem dele pesa pra burro. É como se ele trouxesse todos os cocos da Bahia dentro dela. Mas vale a pena o esforço. O que importa é o money”.
O HÓSPEDE: “Cheguei! Lá vem o mensageiro. Conheço aquele sorriso. É tão somente pela gorjeta que lhe dou. Da próxima vez vou encher todas as malas de cocos pra fazê-lo merecer cada centavo desse money que dou a ele”.
O RECEPCIONISTA: “Xi! Lá vem aquele homem. Espero que ele pegue a chave e suba rapidinho. Não estou com saco pra ficar ouvindo histórias de todos os santos. Ainda mais em dias e horas de agitação como esta”.
O HÓSPEDE: “Vixi! O moço da recepção ainda é aquele espinhento horroroso. Por que não remanejam aquela mocinha simpática da manhã para o horário dele? Hoje, além da história do ouro, começarei a contar-lhe sobre o Brasil, desde o desembarque de Pedro Álvares Cabral, até ao último escândalo do mensalão: mais de quinhentos anos de história. Vou torturá-lo até ele pedir uma transferência de horário”.
O GERENTE: “Ótimo! Aquele senhor joalheiro está de volta mais uma vez. Sinal de que ele está mesmo satisfeito com o nosso hotel e indicando-o pra mais pessoas. Em um mês, já vieram uns dez de seus amigos para cá. Tenho que ir até lá e cumprimentá-lo”.
O HÓSPEDE: “Demorou! Lá vem o gerente. Com certeza, vai apertar a minha mão. Está pensando que eu indico este hotel de graça. Desta vez, passo a exigir que ele me dê um bom desconto à título de comissão. Se ele desconversar, digo que nem eu voltarei mais aqui.”
O MENSAGEIRO: “Pronto! Lá vem aquele outro cara. Se ele estiver num dia bom, vai ser ótimo lidar com ele. Mas, se ele não tiver fechado um bom negócio nos seus folheados, é melhor que eu fique esperto. Ele é daqueles hóspedes que descarrega a sua desgraça toda em cima da gente. Como se o mensageiro fosse o culpado de tudo”.
O HÓSPEDE: “Ô loco, meu! O dia foi foda. Se tivesse um saco de pancadas por aqui, eu o debulharia. Olha a cara de assustado do mensageiro! O coitado pensa que eu vou perder tempo com ele. Já estou cansado de lambaris. Queria mesmo, era acabar com um tubarão. Daquele grandão. Cabeça chata.”
O RECEPCIONISTA: “Ai! Esse cara é chato que dói. Tem dia que ele chega todo nervosinho aqui, mas, na manhã seguinte acorda cantando a Bia aqui na recepção. É isso que dá a gente arrastar um caminhão por alguma colega do hotel. Corre um ti-ti-ti pelos bastidores, que a Bia ainda não saiu com ele só porque tem medo de perder o emprego”.
O HÓSPEDE: “Olha aí. Aí está o recepcionista mais esquisito que eu já vi em toda a minha vida. Ele nem desconfia, mas toda vez que eu saio com a Bia, ela pede pra eu não ficar espalhando, porque sou casado e pega mal. E ela diz que se esse Zé Mané aí ficar sabendo, ele é capaz de caguetá-la e ela poderá acabar sendo despedida. Outro coitado! Nem vale a pena dar uma canseira nele.”
O GERENTE: “Chegou! Chegou o estressado. Mais tarde ele sai com a Bia e ela dá um calmante pra ele. Eles pensam que eu não sei que eles saem às escondidas. Enganam-se. Aqui, somente o recepcionista é que ainda não sabe disso. Mas, isso é problema deles. Eu não tenho nada a ver com isso. O que importa pra mim, é que ele é o tipo do cliente corporativo que qualquer hotel quer”.
O HÓSPEDE: “A-hááá! Lá está o chefe. O fato de ele ser o gerente daqui, ainda não me seria o bastante. Mas, considerando que nem ele próprio sabe ao certo qual dos seus patrões é quem manda mais, vou abrir o jogo com ele mesmo sobre o meu caso com a Bia. Tenho que aproveitar hoje que estou num dia ‘bom’. E deixar bem claro que, se ela sofrer algum tipo de represália por causa desses detalhezinhos de menos, darei um jeito de mudar de hotel amanhã mesmo”.

BISCATEIROS


Ao ermo das capoeiras de uma pequena cidade no Sul de Minas, morava um guru ermitão, que com suas simples e sábias palavras dizia: “Todo homem tem que nascer biscateiro”.
Quase meio século depois, decifro as palavras do folclórico eremita e concordo plenamente com ele. Desde à época, eu subentendia haver um bocado de machismo naquela frase. Mas, pelo contrário, o que entendo hoje é que o velho tinha era um feminismo extraordinário. Por isso é que as mulheres gostavam e jamais alguma delas preocupou-se em questioná-lo. Veja bem: o homem que nasce com o dom de ser biscateiro, geralmente faz carreira, gradua para camelô, para representante, até vestir a beca do empresariado. Nesse percurso, vai despertando-lhe, gradativamente, a curiosidade para as exigências femininas. São as mulheres quem vão acompanhando, criando e ditando as atualidades fashions. São elas que mais se vestem, vestindo os filhos e o marido. São elas que mais se empetecam como nenhum outro ser é capaz. São elas que receitam e nutrem a família com o prato de cada dia. São elas que dão as maiores e melhores dicas na aquisição do carro, na escolha do local paradisíaco das férias e nas reservas do hotel, quer o homem entender assim ou não. Todas as decisões mais cotidianas estão nas mãos da mulher.
O homem que nasce e morre sem biscates é incapaz de focar a mulher por essa ótica regular. Não repara o novo penteado feminino. Não repara o batom nem o rouge. Não percebe o suave perfume com toque de malícia, direcionado intencionalmente à ele. Não repara os brincos, pulseiras, anéis, relógio, que salpicam a mulher desde a sua idade média. Não por acaso, Joias vem do Latim Jocalis, que significa:”o que dá prazer”; “graça”. E, que graça teria o mundo sem a graça feminina?
O homem que nunca foi biscateiro em sua vida, olha pra mulher e somente enxerga o sexo. E, mesmo assim, é incapaz de reparar a langerie charmosa, cheirosa, delicada, com todo aquele toque sensual deliberante. Somente quem foi biscateiro é que tem tal percepção, mesmo que tão aparente. Ou, mesmo que apenas por uma questão de sobrevivência: de atirar-se pra cima delas com todo o seu agressivo interesse comercial.